Deusa da Noite...
Sons da viola e cantiga subiam da casa de nhô Manuelinho.
Plantada no meio do céu, a Lua, quase cheia, muito branca, era a coisa mais bonita da noite. Se fossem duas Luas com certeza não seriam tão bonitas porque a gente teria que fazer a comparação entre elas. Quando se olha para ela é tão bom! É como se subíssemos até ela, ou ela entrasse em nós e nos tornasse mais leves. A gente esquece tudo. É ela e nada mais.
Zepa encostou a cabeça à parede, e ficou a olhar para o lado do céu onde estava a Lua. Lá dentro, os meninos dormiam embrulhados na manta. Aqui, ao seu lado, José da Cruz era uma sombra calada. Quanta coisa não estava pensando o Isé nesse momento. Ele contemplava cheio de êxtase a deusa da noite, e o farto bigode disfarçava o tremor dos seus lábios. Mas Zepa desviou o pensamento. Por um breve instante a Lua ocupou o lugar de tudo. Porquê, à medida que ela vai subindo no céu, virando mais pequena, mais pequena, amorrinhando de tamanho, enquanto vai ficando mais longe, a sua pele se torna mais branca, e mais branca a luz que ela derrama sobre os campos? Sozinha, no meio do céu tão grande, parecia ainda mais pequena que aquele espelhinho redondo que a Zepa tivera, quando ainda moça - um espelhinho que lhe cabia na palma da mão e trazia a figura duma mulher bonita no reverso.
Manuel Lopes, Os Flagelados do Vento Leste
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