quarta-feira, novembro 30, 2005


"Eu carrego o Sol numa taça de ouro
E a Lua num saco prateado."

W.B.Yeats

terça-feira, novembro 22, 2005

O seu nome era Ana. Olhos de safira e lábios de romã. Boca de sorriso. Quase sempre silenciosa. "Porque estás tão calada, Ana?". Ana não respondia, mas sabia. Vivia numa rua escura, sem árvores. Estreitas casas em milagroso equilíbrio. Sombrias fachadas de granito sujo. Portas de madeira carcomida. Imundas soleiras, onde, à tardinha, as mulheres costumavam sentar-se. Nalgumas varandas, roupa esvoaçante entre gaiolas com cánarios e pintassilgos; mas o seu canto não chegava para alegrar a rua. E também magras sardinheiras de folhas desbotadas.
Na casa onde Ana morava, nunca batia o sol. Defronte, porém, os vidros das janelas espelhavam a luz do entardecer. Ana gozava sempre com surpresa esta pequena maravilha. Gostava de imaginar tudo o que estava ausente: as árvores, o sol, o mar, os campos. Às vezes sonhava com as coisas que mais amava. E, no dia seguinte, ficava a lembrar os sonhos como quem separa e saboreia os gomos de uma laranja doce e sumarenta...
...E por isso lhe ralhavam: porque ela era estranha e distante - e não parecia alegrar-se muito com as brincadeiras próprias da sua idade!
A escola não era distante de casa. Chegava-se lá por caminhos tortuosos e vielas. Era um velho edifício encardido e frio, entranhado de sombra e humidade. Ana não gostava daquela escola. Os melhores momentos do dia eram os do regresso a casa, pelo caminho mais longo: o do mirante, de onde contemplava o rio, cobra de prata que, sinuosa, se perdia nos longes do horizonte. Ana aprendera a defender-se do que a entrestecia e a escapulir-se da realidade baça dos dias. Refugiava-se no sonho, que acabava por ser a sua realidade...

segunda-feira, novembro 21, 2005

" Por um momento tire a cabeça debaixo da areia e pergunte a si próprio se iria fumar mais um cigarro, caso tivesse a certeza de que esse seria o que iria desencadear o cancro no seu corpo. Esqueça a doença (é díficil imaginá-la), mas imagine que vai ter de ir ao Royal Marsden para fazer aqueles tratamentos horríveis - radioteraoia, etc. Agora já não está a planear o resto da sua vida. Está a planear a sua morte. O que vai acontecer à sua família e aos seus entes queridos, aos seus planos e sonhos?
Muitas vezes vejo as pessoas a quem isso acontece. Elas também não pensaram que lhes acontecesse, e o pior não é a doença, mas o conhecimento que tiveram de si próprios. Nós, os fumadores, passamos toda a nossa vida a dizer: "Vou deixar de fumar amanhã." Tente imaginar como é que essas pessoas se sentem por serem quem "carregou no botão". Para elas a lavagem ao cérebro acabou. Elas vêem então o "hábito" como ele realmente é e passam o resto das suas vidas a pensar: "Porque me estive a enganar e me convenci de que precisava de fumar? Se ao menos tivesse a hipótese de voltar atrás!""

Allen Carr

domingo, novembro 20, 2005


"Numa noite de janeiro de 1917, cinco soldados condenados à morte em conselho de guerra são lançados, de mãos amarradas atrás das costas, diante das trincheiras inimigas. O mais novo não tem mais de vinte anos e deixa atrás de si uma jovem noiva e um amor interrompido.
Chegada a paz, Mathilde quer saber a verdade sobre esta ignomínia e descobrir o que realmente aconteceu àquele a quem continua ligada pelos laços de um longo e trágico noivado.
Com mais intensidade do que nunca, Sébastiaen Japrisot oferece-nos nesta história de paixão e mistério o virtuosismo e a magia da sua escrita. A mulher obstinada e frágil, envolvente e subtil, que aqui se encontra na figura de Mathilde, figurará certamente entre as heroínas mais memoráveis do universo romanesco moderno."

Alguém

sábado, novembro 19, 2005


"Esta noite o vento ceifa os bosques e
uma raiva sacode a terra. Se a voz
do mar chamasse pelas velas, os estreitos
aguardariam um naufrágio. E se dissesses
o meu nome eu morreria de amor.

Devo, por isso, afastar-me de ti - não
por ter medo de morrer (que é de já não
o ter que tenho medo), mas porque a chuva
que devora as esquinas é a única canção
que se ouve esta noite sobre o teu silêncio."

Maria do Rosário Pedreira



quarta-feira, novembro 09, 2005


O Outono

O fim do verão. O fim de um período de grande actividade. O baixar de braços para repousar. O frio, a vontade de um banho quente. O abrandar para reflectir. A preparação para o renascimento. O vento frio que nos faz encolher. O abraço que nos aquece. O chão coberto de cores que outrora foram quentes.
A noite que aparece mais cedo. O sol que enfraquece à medida que os dias passam. O conforto de uma camisola grossa e quente. O pôr de Sol gelado. A vontade de ficar por casa. O estar à janela a ver a chuva cair. O conhecer o novo e acolhedor.

Alguém

segunda-feira, novembro 07, 2005


Acorda, Menina Linda

Acorda, menina linda
vem oferecer
o teu sorriso ao dia
que acabou de nascer
Anda ver que lindo presente
A aurora trouxe para te prendar
Uma coroa de brilhantes para iluminar
O teu cabelo revolto como o mar

Acorda, menina linda
Anda brincar
Que o sol está lá fora à espera de te ouvir cantar
Acorda, menina linda
Vem oferecer
O teu sorriso ao dia
que acabou de nascer

Porque terras de sonho andaste
Que Mundo te recebeu
Que Monstro te meteu medo
Que Anjo te protegeu
Quem foi o menino que o teu coração prendeu?

Acorda, menina linda
Anda brincar
Que 0 sol está lá fora à espera de te ouvir cantar
Acorda, menina linda
Vem oferecer
O teu sorriso ao dia
Que acabou de nascer

Anda ver o gato vadio
À caça do pássaro cantor
Vem respirar o perfume
Das amendoeiras em flor
Salta da cama
Anda viver, meu amor

Acorda, menina linda
Vem oferecer
O teu sorriso ao dia
Que acabou de nascer

Jorge Palma

Muito Pouco

"Pronto
Agora que voltou tudo ao normal
Talvez você consiga ser menos rei
E um pouco mais real
Esqueça
As horas nunca andam para trás
Todo o dia é dia de aprender um pouco
Do muito que a vida trás.

Mas muito pra mim é tão pouco
E pouco é um pouco demais
Viver tá me deixando louca
Não sei mais do que sou capaz
Gritando pra não ficar rouca
Em guerra lutando por paz
Muito pra mim é tão pouco
E pouco eu não quero mais

Chega!
Não me condene pelo seu penar
Pesos e medidas não servem
Pra ninguém nos comparar
Por que
Eu não pertenço ao mesmo lugar
Em que você se afunda tão raso
Não dá nem pra tentar te salvar

...veja
A qualidade está inferior
E não é a quantidade que faz
A estrutura de um grande amor
Simplesmente seja
O que você julgar ser o melhor
Mas lembre-se que tudo que começa com muito
Pode acabar muito pior"

Maria Rita



quinta-feira, novembro 03, 2005


"Nunca consegui encontrar o campo de travagem da tristeza. Morri muito para não morrer. Na tristeza encontro ainda o bafo reconfortante da vida. Já não sei o que é ter frio, nem calor, nem dor - mas permaneço triste, por isso existo. Preciso de trabalhar as tintas das minhas mortais tristezas para atingir uma melancolia abstracta. Preciso que essa abstracção te preencha os poros - preciso de te habitar, de te moldar, barroco coração cubista. A tristeza impede-me de acabar de morrer - toma, douta, ajusta ao teu sangue o pudor impudico do que fui. Que te lembres dos meus contornos claros, não chega - toma o lixo infantil que não te dei, as lágrimas manchadas pelas dedadas do meu coração de chocolate. Come-as, deixa-me morrer dentro de ti - deixa-me escolher morrer dentro de ti, porque só essa morte me falta."

Inês Pedrosa in Fazes-me Falta

Pensamento do Dia:

Se alguém não o compreende, perdoe e siga em frente! Perdoe e siga em frente, porque em todos os caminhos encontraremos sempre lições preciosas, que nos farão progredir.

quarta-feira, novembro 02, 2005


" Não importa o que se ama. Importa a matéria desse amor. As sucessivas camadas de vida que se atiram para dentro desse amor. As palavras são só um príncipio - nem sequer o príncipio. Porque no amor os príncipios, os meios, os fins são apenas fragmentos de uma história que continua para lá dela, antes e depois do sangue breve de uma vida. Tudo serve a essa obsessão de verdade a que chamamos amor. O sujo, a luz, o áspero, o macio, a falha, a persistência."

Inês Pedrosa in Fazes-me Falta