O seu nome era Ana. Olhos de safira e lábios de romã. Boca de sorriso. Quase sempre silenciosa. "Porque estás tão calada, Ana?". Ana não respondia, mas sabia. Vivia numa rua escura, sem árvores. Estreitas casas em milagroso equilíbrio. Sombrias fachadas de granito sujo. Portas de madeira carcomida. Imundas soleiras, onde, à tardinha, as mulheres costumavam sentar-se. Nalgumas varandas, roupa esvoaçante entre gaiolas com cánarios e pintassilgos; mas o seu canto não chegava para alegrar a rua. E também magras sardinheiras de folhas desbotadas.
Na casa onde Ana morava, nunca batia o sol. Defronte, porém, os vidros das janelas espelhavam a luz do entardecer. Ana gozava sempre com surpresa esta pequena maravilha. Gostava de imaginar tudo o que estava ausente: as árvores, o sol, o mar, os campos. Às vezes sonhava com as coisas que mais amava. E, no dia seguinte, ficava a lembrar os sonhos como quem separa e saboreia os gomos de uma laranja doce e sumarenta...
...E por isso lhe ralhavam: porque ela era estranha e distante - e não parecia alegrar-se muito com as brincadeiras próprias da sua idade!
A escola não era distante de casa. Chegava-se lá por caminhos tortuosos e vielas. Era um velho edifício encardido e frio, entranhado de sombra e humidade. Ana não gostava daquela escola. Os melhores momentos do dia eram os do regresso a casa, pelo caminho mais longo: o do mirante, de onde contemplava o rio, cobra de prata que, sinuosa, se perdia nos longes do horizonte. Ana aprendera a defender-se do que a entrestecia e a escapulir-se da realidade baça dos dias. Refugiava-se no sonho, que acabava por ser a sua realidade...
terça-feira, novembro 22, 2005
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