Todos os dias no meu céu, minúsculos e enormes cães, cães de todas as espécies, corriam pelo parque diante do meu quarto. Assim que abria a porta, via-os gordos e felizes, magrinhos e peludos ou elegantes e de pêlo raso. Os pitbulls rebolavam de costas ao sol, com as tetas escuras das fêmeas a pedir aos cachorrinhos que mamassem. Os baixotes tropeçavam nas orelhas, empurrando com o nariz as pernas dos galgos e as cabeças dos pequineses. Quando a Holly pegava no seu saxofone-tenor, se instalava junto da porta que dava para o parque e tocava blues, os cães juntavam-se a ela num coro. Sentados, uivavam, até que outras portas se abriam e saíam delas mulheres que viviam sozinhas ou aos pares. Eu saía também, a Holy encetava um bis interminável, com o Sol a baixar no horizonte, e dançavamos todas com os cães. Corríamos atrás deles e eles de nós. Fazíamos uma roda, cauda com cauda. Tínhamos vestidos às pintas, às flores, às riscas, lisos. Quando a Lua já ia alta, a música parava. A dança parava. Ficávamos imóveis.
A Sr.Bethel Utemeyer, a residente mais velha do meu céu, ia buscar o seu violino. A Holy tocava suavemente o seu instrumento. Faziam um dueto. Uma mulher velha e calada, outra ainda rapariga. Para trás e para a frente, as duas criavam um louco consolo esquizóide.
As dançarinas entravam lentamente nos seus quartos. A música ressoava até que a Holy por fim repetia e a Sr.Utemeyer, calma, direita, histórica, terminava com um andamento vivo de dança.
A casa adormecida nessa altura; aquela era a minha oração da tarde.
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