domingo, dezembro 04, 2005

Eu só tinha pai, que pouco a pouco se ia desinteressando de mim. O resto da gente da casa eram mulheres más e vaidosas. Umas intrusas!
O meu tempo corria como o tempo corre...ao acaso. Nada me pertencia já. Bastarda a casa, bastardos os ares respirados nela. Quantos anos teria então? Doze, treze, catorze. Até o gosto de vestir perdi porque tudo me retiravam; de vestir e de andar limpa e bem pregada. Só a imaginação me sustinha. A imaginação, digo: isto que aos jovens compensa de muita faltas, da ternura, das satisfações, dos desejos realizáveis, de pequenas e de grandes coisas.
Com essa imaginação, que nínguém me podia roubar, eu via fantásticas coisas e amava outras não menos fantásticas, inatingíveis: as estrelas, os rouxinóis, os heróis das lendas, a água...
Amava-os, perseguia-os de sonhos e de pequenas efabulações.
À noite, noites quentes e noites frias, tinha muitos delíquios sentimentais: considerava a lua uma maravilha mortal, maravilha inigualável, e deixava-me gelar de olhos fitos nela.
De dia corria as bordas da ribeira a ver pássaros, os saltinhos da água e a descobrir flores. Dessa idade me ficou a ideia da nobreza das violetas silvestres e da fragrância dos junquilhos.
A gente do campo, mulheres e homens, que me sabiam desprezada, tinham certo respeito pela minha pessoa, espreitavam-me sem me insultar.
Assim, neste viver, eu compunha, ideava histórias, coisas...

Irene Lisboa

1 comentário:

Gelly disse...

Ui, desde outubro!!! Tens um blog desde outubro?! E pensava eu que era recente....